Depois que o sol se for
Um rumor de bichos livres que procuram abrigo
calma escuridão
Um galope cego, entre sons noturnos, brenha, uma visão
Se acaso o rumo se perder, solte-se à amplidão
do espaço além da razão e o que mais lhe deter
deixe o tempo derreter (e fugir de suas mãos)
A natureza em fúria varre paisagens, certezas,
do espanto fez-se amor!
A tempestade nubla os sentidos, desenha margens, êxtase e pavor.
Nada sei sobre o amanhã, o que é perene e o que não…
Se a beleza fenecer depois que o sol se for,
jamais terá sido em vão.
Transmutar-se em canções, cheiros, calor,
Trazer em si restos de estrelas,
marcas vitais.
Se o futuro é incerto, não há mais pressa,
descansa a cabeça até esquecer
O que há de vir não importa, o destino prega peças sem querer
Não vale a pena padecer antes da dor chegar
Cada um carregará a sua própria luz
Quando o céu escurecer (estaremos nus)
Cadáver Delicado
minúsculo
Manhã de inverno, desertas mãos,
estamos perto do eterno chão
O céu de cinza deserda o sol,
canção que foge em si bemol
Ninguém sabe quem somos nós,
do universo somente o pó.
Fragmentos de uma explosão,
um ponto à toa na imensidão.
Veja o mar Mediterrâneo, já foi seco
e o tempo escondeu
Cataclismo, fendas
e o Atlântico em beleza o envolveu
Se ficou, transformará,
onde queira a poeira levará
Seja o que for, não passará,
vá onde queira a poeira levará.
na academia
Como um gesto, giro ou movimento fragmentado ou desconectado de sua forma original, fica desconexo e prescinde de sentido. Mas, ao ver a dança de dois experientes, tudo ganha outra cor e beleza, como essa roda de capoeira que ora presencio.
A música dá mais vida e enfatiza o balé saudoso da mãe África, com um jogo vibrante de pernas, mãos e pés. Realmente os noviços são desengonçados, feito filhotes em seus primeiros passos.
E o mundo, em seus ínfimos recortes, até se revela agradável,, principalmente ao emular a vida em estados primevos, ao imitar a natureza em traços atávicos humanos.
Assim, assistindo a essa profusão de repetições, descobertas e insignificâncias através dos séculos, lembro-me de meu amigo Wellington de Faria, que poderia exclamar neste momento vendo os nossos iguais: “vive-se alegremente…”
E só um riso ou lembrança insana me fariam voltar a me conectar ao meu tempo e concluir que o tempo tanto passou que já trocaram o relógio (analógico?) da parede por um digital, agora tão pequeno.. pequeno como o que fazemos na maior parte do dia, obrigando-nos a sacar óculos ou lente de aumento para topar com a saída do labirinto, com uma muleta ou acordar pra fazer o restante dos exercícios na academia (com a infinitamente minúsculo) e cessar as divagações e a enxurrada de palavras ….
mas , olhando uma última vez, o esforço de muitos aqui despertaria a curiosidade ou a inveja de Sísifo: Dante poderia pintar o inferno pós moderno, vazio, seco à base de ventiladores com auto-castigos e caretas bem treinadas. Arre, chega!
Cadê a mistura, água dodecagenária da Escócia com a essência líquida do coco? Se estivesse em casa, nenhuma linha se prontificaria , nem um fiozinho de verbo correria…
OBSESSÃO CINZA
Postei-me para o cinza pluvial
Botei uma cadeira de frente pra avenida
pra não ouvir mais nada
Os carros, milhares, desapareciam
do meu campo de visão
como se despencando do quadro, caíssem no inferno
me comprazia vê-los indo embora
realçava-os a fumacinha que o asfalto emanava
(deuses nas máquinas?)
(deus ex machina?)
Uma brisa fresca arrepiava os pelos
e balançavam orquídeas mortas
Desse lado, felizmente, nenhum pássaro trinava
só os motores ensurdecedores
com seus cantos de partida
Obsessão pelo cinza
(síntese da noite e do dia)
a cor da face da cidade
A ingenuidade acabou e o sonho
nas maçãs rosadas ( que dó)
nos rostos ousados
o ozônio e o pó
Oh, Cinza!
Teias de minha paisagem (trançam e transam os olhos)
O bicho da seda arrasta o casulo
Nada em vão
Metamorfose, passagem
para o fim da civilização
O ÚLTIMO POR DO SOL
Postei-me na santu-área
varal de meus versos úmidos
Não quis a rima do crepúsculo com o acaso
A última urna do dia do ano
encarou-me cálida:
Nem vermelho-róseo ou dourado
Um pálido cinza nublava
as intenções de uma desesperada brancura
Concentrei-me em minha diva,
musa das horas da vida
e conclamei(-a) a partilhar a dádiva:
Venha ver o último dia do nada.
(Ozias Stafuzza) , 31/12/99
O VERBO VAZIO (o vazio do verbo)
Não falo mais
com pessoas
vivas
só converso
com sombras
Fantasmas
me
respondem
em ecos
perversos
São olhos
da noite
bichos
aprisionados
Fúria da
carne
sobre nervos
lisos
Sobras
da morte
legião de
livros
o segredo
nas
obras
Do
parto do
mundo
Das alturas
os vazios
o peso de
uma palavra
Áridas
rachaduras
dos versos
onde resido.
Se o olhar se p…
LUNÁTICO
A madrugada me bate à porta
seu brilho me chama à janela
Essa lua é uma louca!
Como pode ser assim tão bela?
Iluminando meio mundo,
assim, nua , amarela,
que me pergunto:
– Como pude viver esquecendo a boemia ,
longe dela ?
Essa lua olhando sim, pra mim!
– Como pode estar tão longe
e no entanto tão perto de mim?
Meus pés saem do chão
E em minha órbita
quase toco sua esfera
meu deserto, suas crateras
que lá na terra zombam
de meu amor lunático:
– Esquisitice …
Ah, o sorriso emoldurando sua boca enigmática
o sorriso do gato de Alice
Sua luz láctea invadindo a noite preta
Sua luz prata se evadindo à noite lenta
E quanta espera para te ver
apagando o sol
exibindo seu poder
sobre a humanidade inquieta
Sua luz prata invadindo a noite preta